Consegui, em 1979, emplacar a edição do livro “Sonetos & Retalhos”, obra póstuma do tio Gerson Nogueira Campos (1934 -1973), por minha conta e risco.
Reuni a sua produção literária disponível à época. Houve marcante lançamento. Sucesso de vendas.
Lucrei uma graninha, o suficiente para comprar uma portátil máquina de escrever, afanada por colega da Faculdade de Direito do Ceará, renomado criminalista de Fortaleza, exercendo elevado cargo público, hoje.
O tio Gerson era um boêmio vocacionado. Bom cantor, seresteiro, dançarino de primeira. No início dos anos cinquenta, estudante segundanista, morou no Recife numa pensão e teve como parceiro de quarto o seu amigo conterrâneo Gerardo Queiroz, o Careca, violonista.
Segundo Tapety Júnior, seu primo, que morava naquele ambiente, Gerson e Careca só acordavam lá pelas 11h da manhã.
Logo que almoçava, a dupla se dirigia ao Colégio Carneiro Leão levando consigo o seu velho companheiro, o violão. Reconhecidos gazeteiros de aulas. Participaram de muitas noitadas animadas, em meio ao mulherio.
Esgotadíssima aquela publicação, em 1992, passei a garimpar novos poemas, cartas, fotografias. Somente em 2013 veio a lume a revista e ampliada 2ª edição daquela obra.
Dentre os novos escritos, localizei “O Testamento de Judas”, composto para o sábado de aleluia de 1969, bem como “O chato”, paródia ao famoso soneto “A ideia”, de Augusto dos Anjos.
Achei por bem, por carta, consultar a conveniência da publicação duas aludidas peças ao Dr. José Expedito Rêgo (1928 – 2000), então, residente em Floriano.
“O chato” começa assim: “De onde ele vem, de que matéria imunda / vem o bruto chato, feio, horripilante / que habita o rego virgem da minha bunda / e não me deixa sossegar um só instante?”
Em seguida, recebi pressurosa resposta, adiante transcrita:
Floriano, 12 de novembro de 1992
Meu caro afilhado Carlos Rubem
Recebida sua carta de 10 do corrente e os poemas de seu tio Gerson Campos.
O testamento está muito bom, tipicamente gersoniano; merece publicação. Quanto ao soneto Chato, paródia malandrina e um tanto suja do sublime Augusto dos Anjos, não sei…
No meu tempo de estudante escrevi versos pornográficos, com palavrões e tudo mais, lidos apenas nas rodas de colegas de re-pública, perderam-se para sempre, deles não restaram cópias, fe-lizmente.
Mais recentemente, compus poemas eróticos, íntimos, impublicáveis, conhecidos apenas de mim e da mulher que me serviu de musa. Não gostaria que fossem divulgados,. mesmo depois de minha morte.
Claro que o soneto do Gerson é engraçado, o chato é realmente um bicho chato, não sei se ainda existe, a não ser nas camadas mais baixas do meretrício. Na minha juventude, ter doença venérea era sinal de virilidade. Alguns pais até se orgulhavam, quando o filho adolescente pegava a primeira blenorragia, símbolo de macheza. Hoje em dia, com os produtos químicos eficazes, o chato não passa de uma prova de falta de higiene. Só o Gerson mesmo poderia decidir sobre a publicação do soneto, opção impossível. Não creio no espiritismo.
O lancamento de “Vidas em contraste” está marcado para acontecer no dia 5 de dezembro. Resolvi dar a renda para a APAE e a diretora dessa entidade aqui não tem condições de fazer nada antes.
Um abraço muito amigo do padrinho,
José Expedito Rêgo
Obs.: Empreguei malandrino no sentido de vadio.
Por Carlos Rubem