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O risco mortal de ser jovem negro e pobre no Brasil

A divulgação, nesse final de semana , do Mapa da Violência 2020, documento produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, expõe uma realidade assustadora, embora não surpreendente: oito em cada dez pessoas mortas em decorrência da violência policial no Brasil, eram negras. Das 6.357 vítimas de violência policial no ano passado, 99% eram formadas por homens, registrando um crescimento de 2,9% relativamente ao ano anterior, e a grande maioria era constituída por jovens negros. Também os policiais assinados, num total de 172 militares e civis, segundo o Anuário, eram negros, representando 65% do total.

Estudiosos vêm se dedicando ao entendimento dessa drástica realidade, sempre evidenciando-se, progressivamente, um viés racial na configuração de mortes violentas no país.E isso ocorrecom maior visibilidade na população jovem, em razão do crescimento de homicídios entre negros e a redução entre brancos, o que significa o crescimento da desigualdade na vivência da violência entre os grupos raciais.

Essa constatação do avanço das desigualdades sociais e econômicas, agravado pelo recrudescer do preconceito racial, associados à violência contra jovens negros, é notória em documento produzido pelo movimento da juventude negra, publicado pelos pesquisadores Jacqueline Sinhoretto e Danilo de Souza Morais, publicado na revista Estudos Sociais em abril de 2018.

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Vê-se que a população encarcerada cresceu, impulsionado pelo encarceramento de negros. As mortes violentas, em especial as praticadas pela polícia, expõem uma herança escravocrata do Brasil, influenciando crescentemente o preconceito de que o negro é um entrave, um impecilho, um estorvo a ser afastado do caminho.

Entre 2002 e 2010, mais de 270 mil pessoas negras foram assassinadas (mais de 30 mil ao ano) no Brasil, o que indica um patamar de violência fatal muito superior ao da maioria dos países do mundo, incluindo os que sofrem conflitos armados declarados. Os números globais de homicídio no período mudaram pouco, mas a análise da componente racial afasta a imagem de estabilidade, posto que o número de assassinatos de brancos declinou, e o número de assassinatos de negros aumentou.

Houve queda de 24,8% da taxa de homicídios brancos e aumento de 5,6% da taxa de homicídios negros. No início da série analisada, morriam 65,4% mais negros do que brancos, e essa desigualdade aumentou para 132,4% em 2010. E de lá para cá só fez piorar. Observando apenas os jovens, o quadro é ainda mais discrepante, chegando a 2,5 vezes mais jovens negros mortos do que brancos. As análises do Mapa da Violência de 2013 concluíram que o motor da aceleração da desigualdade está em políticas públicas que fizeram declinar os homicídios de brancos, sem ter o mesmo efeito sobre negros.

O Anuário chama a atenção para o fato de que a partir dos 13 anos de vida, os homicídios crescem, sendo possível verificar o aumento nas mortes decorrentes de intervenção policial, num cenário que é alarmante.

E adverte que não é possível olhar para esses dados sem imaginar que estamos tratando de uma geração de pessoas que é perdida de forma brutal. Em média, morrem mais de 13 crianças e adolescentes de forma violenta por dia no Brasil. Trata-se dos indivíduos mais vulneráveis da nossa sociedade e que deveriam estar protegidos pelo Estado, mas, infelizmente não estão, num flagrante desacato ao que estabelecem a Constituição brasileira e o Estatuto da Criança e do Adolescente.

A desproporção entre os perfis das vítimas chama a atenção, especialmente em relação à raça. Os negros representam 75% das crianças e adolescentes de 0 a 19 anos vítimas de mortes violentas intencionais no Brasil. Em todas as faixas etárias, o número de vítimas negras é maior que o número de vítimas brancas. “A chance de um menino negro morrer no Brasil é muito alta”, diz Sofia Reinach, pesquisadora associada ao Fórum.

De acordo com o Anuário, entre as vítimas de 0 a 9 anos, os principais tipos de crime são o homicídio e a lesão corporal seguida de morte. “Existe um pico de negligência e abandono na faixa etária dos bebês. Depois, com 5 e 6 anos, dá uma estabilizada”, diz Sofia.

Uma outra estatística apresentada pelo Anuário é a de estupros de crianças e adolescentes. Houve pelo menos 25.984 casos registrados.

Diferentemente das mortes violentas, os estupros se concentram nas faixas etárias mais baixas, sendo que 38% ocorrem de 0 aos 9 anos, 44% entre 10 e 14 anos e 18% entre 15 e 19 anos.

Se as principais vítimas dos assassinatos são meninos, no caso dos estupros as meninas representam 85% das vítimas.

Para a professora do Departamento de Pediatria e coordenadora dos projetos “Janela da escuta” e “Brota – juventude, educação e cultura” da Faculdade de Medicina da UFMG, Cristiane de Freitas Cunha Grillo, ao se falar da violência que mata jovens negros no Brasil, é preciso falar do racismo. “O primeiro tema que vem à minha cabeça para relacionar juventudes e violências é o racismo, o genocídio da juventude negra no Brasil, que foi até tema de dissertação no Programa de Promoção à Saúde e Prevenção à Violência, que mostrou que o risco de um jovem negro morrer exterminado é cinco vezes maior que um jovem branco em Belo Horizonte”.

Essa diferença no número de mortos, segundo a professora, é parte de um sistema racista. “Não é exagero falar em genocídio dos jovens negros. Existe uma ação sistemática e orquestrada pelos governos. Esse é um tema antigo. Quando falamos que policiais matam jovens negros, esse é um sintoma de uma sociedade que permite isso, que explora esse jogo e que marca crianças, adolescentes e jovens negros com processo segregatório a vida inteira”.

“A morte concreta e cruel é precedida por uma morte simbólica. Professores avaliam pior os alunos negros, 80% da evasão escolar é de jovens negros. Antes mesmo de falar em genocídio, é possível falar do racismo, dessa violência que nós, enquanto sociedade, praticamos contra os negros no Brasil. Tem todo um alicerce que sustenta essa prática genocida”.

Esse, verdadeiramente, é um assunto que choca muitas pessoas, mas que, lastimavelmente, não ocupa a cabeça da maioria dos gestores públicos, não põe em intensa mobilização a sociedade, e pouco ou nada sensibiliza as elites econômicas, essas muito mais interessadas em elevar o seu capital. Não é sem razão, por exemplo, que na semana em que o Anuário é divulgado, tem-se a notícia de que apenas uma família de São Paulo acaba de transferir para o exterior a formidável soma de R$ 50 Bilhões.

Enquanto não cessar essa indiferença, e não se frear a fome descomunal dos bilionários brasileiros, o país vai fazendo crescer o fosso criminoso e perigoso da desigualdade e da morte.

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Fonte: Meio Norte

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