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Queda no CNPq: Ciência e Tecnologia não são prioridades no Brasil

Desde a última sexta-feira, 24, plataformas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) estão fora do ar, gerando impacto negativo nas comunidades científica e acadêmica. Entre elas, destacam-se a Carlos Chagas, responsável pela tramitação de projetos e a Plataforma Lattes, que armazena material acadêmico.

O problema em questão, apontado pelo CNPq em nota, foi em um storage, mas de acordo com o conselho “não há perda de dados da Plataforma Lattes”. Segundo fontes consultadas pelo TecMundo, problemas do tipo já tinham sido indicados internamente; além disso, o corte de verbas e a terceirização da área de Tecnologia da Informação (TI) também foram citados como parte do problema.

“A fragilidade dos sistemas de informática, em particular da capacidade das duas plataformas (César Lattes e Carlos Chagas) foi identificada há muito tempo e tem sido apontada pela atual presidência do CNPq desde sua posse”, disse Hernandes Carvalho, presidente da Federação de Sociedades de Biologia Experimental (FEsBE). “Pode-se dizer que se trata de uma tragédia anunciada”, ele afirmou.

De acordo com Roberto Muniz, presidente da Associação de Servidores do CNPq (ASCON), com exceção de alguns serviços, como o “programa SEI, que só trata de processos internos, o resto tudo está fora do ar”. Ele disse que, no geral, o CNPq “não está operando”.

“Para você ter a dimensão do problema, nós estamos sem e-mail. Os e-mails institucionais para nos comunicar com o CNPq não estão funcionando desde sábado (24), e também estamos sem serviços de telefonia.” Ele explica que o órgão utiliza um serviço de telefonia por VoIP, baseado na internet.

“E isso tem nos preocupado muito, porque o CNPq ficou incomunicável”, disse Muniz. “É inconcebível que o principal órgão de financiamento de Ciência e Tecnologia no país esteja em uma situação dessas. E ficar desde sexta-feira com todos os seus sistemas fora do ar. Isso prejudica centenas de pesquisadores, estudantes e bolsistas”, ele pontuou.

Impacto negativo direto

Romeu Cardozo, presidente da Sociedade Brasileira de Química (SBQ), avalia que a inoperância das principais plataformas do CNPq “tem um forte impacto negativo nas comunidades científica e acadêmica. Sem elas, praticamente toda a interlocução entre a comunidade e a agência deixa de ser possível”.

Inicialmente, o impacto impede a comunidade de prosseguir com “qualquer projeto, seja para submissão, seja para implementação, seja para prestação de contas”, disse Cardozo. Esses são realizados pela Plataforma Integrada Carlos Chagas.

Já o acesso à Plataforma Lattes, diz Carvalho, “é uma tarefa contínua na vida acadêmica do brasileiro”. “Consigo prever um grande impacto nessas diferentes atividades, com atrasos em chamadas públicas que precisarão ter seus prazos de submissão estendidos. Concursos públicos poderão ter seus períodos de inscrição estendidos”, ele afirmou.

Em nota, em razão dos problemas, o CNPq informa que o “pagamento das bolsas não será afetado” e que todos os “prazos de ações relacionadas ao fomento do CNPq, incluindo a Prestação de Contas, estão suspensos e de ofício serão prorrogados”.

Falta prioridade

“A situação do CNPq é um reflexo de como o governo federal tem tratado a ciência de forma geral. O ministério é fraco, recebendo pouca atenção do Executivo, o que, consequentemente, fragiliza o CNPq. O sufocamento do sistema de Ciência e Tecnologia brasileiro mostra seus efeitos”, avaliou Carvalho.

Em 2021, segundo dados do Sistema Integrado de Operações (Siop) levantados pelo O Globo, o CNPq teve orçamento de R$ 1,21 bilhão, o menor do século 21. Em 2020 (R$ 1,48 bilhão), 2019 (R$ 1,6 bilhão) e 2018 (R$ 1,48 bilhão), os valores foram ligeiramente maiores. De 2013 (3,14 bilhão) a 2021, a redução chega a 60%.

Em janeiro deste ano, foram vetados pelo presidente Jair Bolsonaro dois trechos da lei complementar 177/21 que determinavam a liberação imediata de recursos retidos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e proibiam novos contingenciamentos. Em 2020, o FNDCT tinha orçamento de R$ 6 bilhões, mas cerca de R$ 5 bilhões foram impedidos de serem aplicados em Ciência, Tecnologia e Inovação.

“A retenção dos recursos do FNDCT tem sido uma das principais estratégias do governo federal para continuar negligenciando a Ciência e os mecanismos criados ao longo de décadas”, disse Carvalho ao lembrar que o CNPq “completa 70 anos neste ano”. “A origem dessas ações está no claro negacionismo do presidente da República”, ele afirmou.

“A origem dessas ações está no claro negacionismo do presidente da República”, Hernandes Carvalho, presidente da FEsBE.

O CNPq é ligado ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil. Para Carvalho, a pasta “tem pouca capacidade de reação para garantir o funcionamento da sua principal agência, uma vez que as condições dos sistemas existentes já haviam sido comunicadas, mas recebeu auxílio precário”.

“Hoje, a gente está em uma situação em que esses sistemas estão desatualizados, com constantes problemas que já são há anos apontados pelos pesquisadores e agora ocorreu esse apagão. A única explicação que a gente tem é, realmente, a falta de prioridade”, disse Muniz.

“A única explicação que a gente tem é, realmente, a falta de prioridade”, presidente da Associação de Servidores do CNPq.

Quase como o tempo das cavernas

Outro problema, destaca Muniz, é a falta de investimento em infraestrutura. Ele diz que “falta investimento em Ciência e Tecnologia”, mas também há “a falta de investimento nas estruturas que prestam serviços”. “A gente fala muito de falta de dinheiro para pagar bolsa, falta de dinheiro para pagar pesquisa, mas esquece de falar que está havendo falta de investimentos (e aí não é só dinheiro, é geral) na infraestrutura”.

Segundo ele, atualmente, a área de TI da agência tem “pouquíssimos servidores concursados” e é quase toda terceirizada. Muniz destaca que problemas como esses, caso não sejam tomadas devidas providências, podem arranhar “a imagem de segurança e confiabilidade nos sistemas da instituição”. Além disso, com um sistema obsoleto, há a perda de eficácia e eficiência no tratamento e na gestão.

“Na falta de servidores que hoje nós temos, trabalhar sem sistema é quase como voltar ao tempo das cavernas. Então, eu espero que tenha investimento nisso para que não haja prejuízo maior no futuro”, afirmou Muniz.

A falta de financiamento adequado também é apontada por Cardozo como algo que pode trazer novos prejuízos: “o orçamento do CNPq para 2021 é uma fração do que é necessário para que suas funções, como principal agência federal de fomento à ciência, sejam desempenhadas a contento, garantindo o efetivo avanço da área de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) no país”.

Em um paralelo, Cardozo aponta que, sem o financiamento, “não há como ter desenvolvimento científico e tecnológico. Este precisa ser priorizado, assim como a Educação e a Saúde”. Até o fechamento desta matéria, as plataformas Carlos Chagas e Lattes seguem fora do ar. O Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPQd) tem atendido bolsistas, acadêmicos, cientistas e demais pessoas pelo número (61) 3211-4000 ou pelo e-mail cnpq@mctic.gov.br, vinculado ao MCTI.

Fontes: MCTI/O Globo/ Estadão/ Senado

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