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Sistema prisional do Piauí é chamado de ‘inferno’ por ex-detentos

 

foto 157695 165956“Ali não é lugar para homem, é para bicho.” Os 12 meses que passou na Casa de Custódia Professor José Ribamar Leite ainda estão bem gravados na memória do ex-presidiário J., 32 anos. Acusado de homicídio, ele passou todo esse período na unidade prisional até ser julgado e inocentado.

A comida era ruim, a higiene precária, o calor insuportável e a violência uma constante. “Eu nem dormia, com medo de ser morto”, confessa. O cubículo construído para quatro pessoas era habitado por 12. Enquanto um banhava ou fazia suas necessidades fisiológicas, os outros 11 assistiam.

J. está em liberdade há 10 anos. Teme um dia reviver tudo o que passou. “Aquele lugar é um inferno”, diz. Esse, na verdade, é quase um jargão entre quem conhece o sistema penitenciário do Piauí, em particular a Casa de Custódia, unidade prisional localizada na zona sul de Teresina. Ao longo da apuração dessa reportagem, a palavra “inferno” foi repetida inúmeras vezes. A definição parte das mais opostas direções. Presos, ex-detentos, familiares, agentes penitenciários, advogados, coordenadores de movimentos sociais e até um deputado federal são unânimes ao caracterizar os presídios como um lugar de desespero total e nenhuma esperança.

O Piauí tem 15 estabelecimentos destinados a presos sentenciados e provisórios. No primeiro semestre deste ano uma comissão do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), órgão ligado ao Ministério da Justiça, inspecionou sete destas unidades. O relatório, publicado meses depois, traz um diagnóstico pouco animador.

O Estado convive com um paradoxo: tem o segundo menor sistema prisional do país – 95,25 presos a cada grupo de 100 mil habitantes. Perde apenas para o Maranhão -, mas é um dos campeões em quantidade de presos provisórios. Segundo o documento, 68% dos quase 3 mil detentos do Piauí nunca foram julgados.

“Foram ouvidos relatos de presos que se encontram custodiados há cinco ou seis anos sem nunca terem comparecido a uma única audiência. O constrangimento ilegal, em tais casos, é patente e certamente desestabiliza o sistema prisional”, denuncia o relatório assinado por Vitore André Maximiano, conselheiro do CNPCP.

A morosidade do Judiciário e do Ministério Público reflete-se cruelmente no dia a dia dos presos, das famílias e na sociedade. A superlotação é a pior das consequências. Guardados sob condições insalubres e desumanas, esses homens e mulheres, em geral, saem pior do que entram. A convivência diária com a violência moral, física e psicológica corrói qualquer noção de cidadania.

“Você perde o ser humano; ele já não é mais um ser humano, porque o sistema o domesticou para ser um bicho. E nessas condições, como é que volta para a convivência em sociedade? Há uma incompatibilidade do que ele estava fazendo lá dentro com o que tem aqui fora”, avalia Francisco Chagas do Nascimento Júnior, um dos integrantes do Movimento Pela Paz na Periferia (MP3), projeto que atua em regiões pobres de Teresina.

O deputado federal Domingos Dutra (PT-MA), que presidiu entre os anos de 2007 e 2008 a CPI do Sistema Carcerário, tem opinião semelhante. “É um sistema que não cura”, atesta o parlamentar, que visitou 82 presídios brasileiros e testemunhou presos dormindo ao lado de porcos, sobre vasos sanitários, recebendo as refeições em sacos plásticos e vítimas de torturas físicas, como no Piauí.

O resultado de tudo isso é óbvio. “A gente sai de lá mais revoltado”, resume W., 29 anos, em liberdade há três meses após sua segunda passagem pelo sistema prisional. O jovem “caiu” por roubo. Ao todo, já passou quatro anos da vida preso; a maioria das penas foi cumprida na Casa de Custódia. Pobre, morador da periferia e com baixa escolaridade não encontra emprego aqui fora. “Não tenho nada e é difícil arrumar. Na hora que puxa a ficha dos antecedentes criminais… Ninguém quer trabalhar com quem já foi preso”, lamenta.

Portal O DIA

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