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Alocução providencial

O Piauí antigo era atrelado à província eclesiástica do Pernambuco. Depois, ao Maranhão. Somente em 1902 houve a criação do seu bispado, sediado em Teresina. Em 1944, foram instituídas as Dioceses de Oeiras e Parnaíba. Temos, ainda, os Bispados de Bom Jesus do Piauí e São Raimundo Nonato.

A área territorial da Diocese de Oeiras era vastíssima. Na reunião do seu clero, em 1967, na cidade de Pio IX, lançou-se a ideia do seu desdobramento para dar lugar à Diocese de Picos.

Recém-criada a ansiada Diocese pela Bula Papal “Nominem Latet”, no dia 28.10.1974, para logo os picoenses colheram assinaturas, num abaixo-assinado, endereçado à Nunciatura Apostólica, em Brasília, pleiteando que o 3° Bispo de Oeiras, Dom Edilberto Dinkelborg, fosse nomeado o 1° Antístite daquela Diocese.

Designado pelo Presidente do Instituto Histórico de Oeiras – IHO, Dr. Raimundo da Costa Machado, o Padre David Ângelo Leal fez a saudação do Dom Edilberto quando este foi admitido na categoria de Sócio Honorário da aludida entidade sócio-cultural.

Esta recepção ocorreu no dia 19.01.1975, à noite, na sede União Artística e Operária Oeirense. Estava presente nesta concorrida efeméride.

O discurso dedicado ao recipiendário foi primoroso. O orador, com sua proverbial fluência e franqueza, em nome do povo de Oeiras, pediu ao Dom Edilberto que permanecesse mais tempo conosco.

O certo é que o 1° Bispo de Picos foi o Dom Augusto Alves da Rocha, sacerdote egresso da nossa Diocese, o qual foi consagrado no dia 23.08.1975, em Floriano. Ato contínuo, tomou posse no dia 21.09.1975.

Tempo que passa. Na última quinta-feira (15.07.2921), através da Fernanda Costa, historiadora, moça estudiosa, natural de Santa Cruz do Piauí, recebi cópia da admirável alocução em tela.

Agradecido, arguta pesquisadora!

X – X – X – X – X

Exmº. Revmº. Dom Edilberto Dinkelborg

A noite de hoje se nos apresenta como de significado incomum na vida do Instituto Histórico de Oeiras.

O nosso modesto sodalício abre, de par em par, as suas portas para recepcionar oficialmente um ilustre Bispo da Igreja de Cristo, como sócio honorário, reconhecendo assim o seu valor pessoal e o seu trabalho em prol da comunidade oeirense.

Coube-me a mim, por designação especial do Dr. Presidente, Dr. Raimundo de Costa Machado, saudar ao insigne recipiendário, que ilustrará sobremodo a nossa entidade de sócio-cultural.

Em circunstâncias várias, tenho recebido a incumbência de saudar a V. Exª. ora em solenidade de caráter religioso, ora em festividade de aspecto social.
A razão da escolha de meu nome para estes momentos, aliás para mim honrosos, prende-se naturalmente aos laços bem íntimos que nos vinculamos, mercê de uma longe vivência e de um diuturno trabalho em comum, pelo espaço já de 15 anos.

Venho acompanhando “pari passu” o desenrolar de suas atividades todas: religiosas, pastorais, culturais, sociais e promocionais, nesta Diocese de Nossa Senhora da Vitória de Oeiras. E tenho testemunhado de maneira inequívoca, que o centro de interesse de todas as motivações do comportamento de V. Exª. vem sendo o HOMEM – o Homem, criatura humana que deve ser engajada numa vivência humana digna deste nome; o Homem, criatura de Deus, que deve ser inserida no reino de Deus, que se inicia neste mundo pela graça e tem continuidade perene na Pátria Celeste; – o Homem, cidadão da terra e cidadão do céu.

Disse eu, na noite do dia 11 de outubro de 1974, em sessão magna realizada, no prédio da Escola Normal “Presidente Castelo Branco”, em homenagem a V. Exª. Revma., na ocorrência do 15º aniversário de sua ordenação episcopal, que só teríamos uma avaliação justa e precisa dos benefícios todos trazidos por V. Exª. para esta Diocese, de modo particular para esta cidade de Oeiras, se nos fosse permitido compulsar o livro da vida, que é o livro da conta corrente de Deus, diante de quem não há atos indiferentes, já que toda ação ou mérito ou demérito, tendo Deus em vista as intenções mais intimas dos seus agentes e as profundas emoções que agravam ou atenuam qualquer comportamento humano. Não se faz necessário repita eu aqui o que salientei naquela oportunidade, uma vez que se trata de fatos já do domínio público.

Quinze anos de vivência de um homem público numa comunidade, são mais do que suficientes para se que se formule um juízo adequado sobre a personalidade deste homem público, máxime se ele tem a exercer uma missão tão nobre quanto espinhosa, qual seja a de governar uma diocese, levando um povo para Deus, através da palavra evangelizadora que comove, estimula, desperta, e do exemplo evangélico que persuade, convence e arrasta.

O Instituto Histórico de Oeiras, se sente no dever indeclinável e impreterível de proclamar, alto e bom tom, a gratidão do povo de Oeiras para a pessoa ímpar do nosso bispo diocesano, e faz questão de concretizar estes sentimentos abstratos na cerimônia solene desta noite festiva, inscrevendo o nome de nosso antístite entre os seus sócios, como honra ao mérito deste grande benfeitor de Oeiras. E esta filiação hoje se materializa neste ato oficial de recepção.

O nosso Instituto, Exmº. Sr Bispo, se sente sobremaneira honrado por contá-lo, a partir de hoje, com um dos seus membros mais eméritos.

Cidadão oeirense que já é V. Exª. por força de lei municipal, e por último naturalizado brasileiro, para glória nossa, pelo Governo da República Federativa do Brasil, queremos vincular mais ainda a pessoa de V. Exª. ao nosso meio, recebendo-o de braços e corações amplamente descerrados no Instituto Histórico de Oeiras, como sócio honorário.

Boatos céleres correm por toda Oeiras de que outra diocese – uma recém-criada diocese vizinha – quer nos arrebatar o nosso bispo. As solicitações são as mais retumbantes e as mais sedutoras, como cantos de sereias.
Talvez atenda V. Exª. a estes apelos de outras comunidades, que V. Exª. só conhece meio à distância.

E toda visão de longe anila os horizontes, dando-lhe uma tonalidade azul, poética e atraente.

As montanhas mais escarpadas, com anfrutuosidades que são verdadeiras abismos, de longe são também azuis, encantadoras, poéticas.

Quanto a nós, com nossas qualidades positivas e negativas já somos mais do que conhecidos e compreendidos por nosso querido pastor espiritual. Nós nos conhecemos e compreendemos mutuamente. E esta reciprocidade de conhecimento e compreensão conduz à mutua confiança, penhor de uma amizade verdadeira.
Entretanto, mesmo que V. Exª. esteja disposto a nos deixar, a trocar o conhecido pelo desconhecido, mesmo que se sinta, a esta altura, farto de Oeiras, nós, embora esquecidos, enjeitados, jamais esqueceremos a pessoa amiga de V. Exª. Dom Edilberto, e os bens inestimáveis que semeou em nossos corações na sua já longa missão episcopal em nosso meio.

Pela graça de Deus, temos um bispo integrado na Igreja de Cristo, timoneiro esclarecido e de mão segura, cônscio de suas verdadeiras responsabilidades, atento à problemática do seu povo, sensível à situação do seus padres e dos seus colaboradores, despertado para as frequentes mudanças de uma Igreja em renovação, inserida num mundo pluralista, que marcha em disparada para as conquistas mais inconcebíveis em todos os setores do engenho humano.

E aqueles que pretendem levar de nós um bispo deste quilate têm toda razão. Mas também nós temos mais razão ainda, porque, como diz a moral: “melior est conditio possidentes” – tem mais direito aquele que já está de posse.

Se queremos retê-lo entre nós, Dom Edilberto, não é só por estas características que vêm marcando o seu pastoreio à frente da grei oeirense, mas também pelas finalidades genuinamente humana que eexornam a sua personalidade de autêntico filho do Santo de Assis, de um amigo sincero e legal, que já se tornou um de nós, já se integrou em nossa comunidade.

Um bispo, podemos perdê-lo e receber outro, como já aconteceu conosco duas vezes. Um amigo, porém, o nosso amigo Dom Edilberto, o fato de perdê-lo constituirá para nós um pesado castigo, do qual não nos julgamos merecedores. Afirmou Publíbio Syro, escritor latino de antes de Cristo, que “Amicum perdereest damnoum maximum” – perder um amigo é o maior dos males”. Reza também aforismo jurídico latino que “Amicitia vera similis est consanguinitati proximiori” – A amizade verdadeira assemelha-se ao mais próximo parentesco de consanguinidade.
E este amigo genuíno, este irmão de todas as horas, é que tememos desmerecer. Aos outros, interessa-lhes mais o bispo. A nós, interessa-nos também o amigo, que já conquistou lugar privilegiado na sala de visita dos nossos corações.

Platão aconselha que não devemos deixar crescer a erva no caminho da amizade.
Creio que a comunidade oeirense não tem deixado medrar esta erva, nem semeado espinhos no relacionamento com a pessoa de V. Exª., Dom Edilberto. Sei que V.Exª. veio até nós com o espírito precavido, diante de certa fama negativa que então obnubilava a nossa reputação, mesmo fora das fronteiras do Estado do Piauí.

Os arquivos da Diocese, no entanto, estão ai a testemunhar pela voz silenciosa da história, o que realmente aqui aconteceu nos anos de 1957.

Não foi a comunidade oeirense que ocasionou a saída do nosso segundo bispo, o piedoso Raimundo de Castro e Silva, de nossa cidade.
Foi uma parcela apenas desta comunidade. O Ginásio Municipal Oeirense, palco daquela triste ocorrência, constava apenas com 107 alunos, que estavam apreciando o movimento, uma vez que não frequentavam mais as aulas e viviam em ruidosas passeatas. E eu pergunto: por que, em 1969, quando um fato muito mais sério, digno de passeatas mais ruidosas, de amontinamentos e quebra-quebras mais justificáveis, ocorreu com o fechamento puro e simples do mesmo ginásio, nunca aconteceu? Os que os 201 alunos de então aceitaram resignadamente o fato? Eu mesmo respondo: questão de lideranças. V.Exª pôde, àquela época, presenciar e constatar que não somos assim tão ruins como se apregoa por aí.

Com a acuidade psicológica de que é V.Exª. portador, Dom Edilberto, mediante o constante lidar com os homens, quer como seminaristas em rigorosos internatos, quer como religioso em comunidades franciscanas, quer como Vigário de Paróquia em Aracajú, quer como assistente eclesiástico de Círculos Operários em Salvador, Bahia, quer como Bispo de Oeiras desde o ano de 1959, sabe muito bem compreender o espírito de rivalidade, de egoísmo, de má-querência, que anima, infelizmente, muitas atitudes humanas. O que, às vezes, se quer fazer transparecer como sentimentos nobres, outra coisa não são, numa análise juradiciosa e imparcial, de que camuflagem de egoísmos mal disfarçados, frutos de certo personalismos pouco cristãos, ou excrescências de arraigados bairrimos.
Ao que de quer dar a conotação de visão de Igreja, não passa de grupismos, de exclusivismos, que repugnam ao espírito da Igreja de Cristo, que é Universal.

Não sei se V.Exª, estimado Dom Edilberto, está ciente do quanto esta possibilidade de sua transferência para outra diocese vem inquietando e angustiando os oeirenses de todas as camadas sociais, como uma goteira importuna e martirizante. Algumas pessoas já me solicitaram no sentido de dirigirmos também um abaixo-assinado, com igual ou superior número de assinaturas ao dos competidores, afim de sensibilizarmos o coração do Sr. Núncio Apostólico no Brasil, que não nos conhece nem está ao corrente do que de fato está se passando. Em tese, sou contra abaixo-assinados, porque só tem valor as primeiras assinaturas. Os signatários da seguinte folha em diante, não sabem qual será a relação definitiva da primeira folha. E quero crer que um prudente administrador nunca se deixará levar por experientes desta natureza. A petição que devemos encaminhar é a Deus, de quem somos também filhos; é a Cristo, a cuja igreja também pertencemos. Eles, os fortes, que façam seus abaixo-assinados aos homens. Nós, os fracos, fa-los-emos a Deus. Quem vencerá?

Peço que me escusem se for indiscreto e se fui franco demais, neste meu pronunciamento, talvez não apropriado para esta solenidade. É que considero as perspectivas que nos ameaam como de vital importância para a Igreja de Oeiras, da qual faço parte por obediência aos meus superiores hierárquicos; de capital importância para a comunidade oeirense, na qual me sinto integrado por longo convivência, como sacerdote, como educador, como cidadão. E aqui se encontram pessoas sobre cujos ombros pesam graves responsabilidade relativamente aos destinos desta boa terra. Não podemos cochilar.

O braço-cruzadismo cômodo, a apatia, o silêncio, numa conjuntura como esta, significariam uma criminosa indiferença para com a sorte dos cristãos desta comunidade eclesial, além de uma demonstração gritante da falta de amor, de acatamento, de respeito e gratidão para com a pessoa do nosso preclaro Bispo Diocesano, a quem hoje homenageamos, outorgando-lhe o diploma de sócio honorário do Instituto Histórico de Oeiras, sodalício que idealizamos com amor e mantemos com sacrifício, com o fim de salvaguardar as tradições desta terra, zelar pelo futuro, como também sintonizar com os problemas e reivindicações de sua gente, mormente quando fundamentados nos ditames da justiça.

Exmo.Sr. Dom Edilberto, saudando-o com efusão d’alma, recepcionando-o com alegria incontida, o Instituto Histórico de Oeiras, por meu intermédio, por meio assim de um dos membros de sua diretoria, também levanta, como primeiro, a sua voz, ígnea e fremente, clamando, bradando, gritando contra a saída de V.Exª. de nossa terra, que é também sua pelo coração. Sei que espinhos daninhos podem ter pungido coração paternal de V.Exª neste longo mourejar entre nós. E lá nas montanhas, azuis porque distantes, haverá somente perfumosas rosas?

O povo de Oeiras, por meio intermédio pede, rogar, suplicar, implorar a V. Exª. que não nos deixa, não nos enjeite: fique mais tempo conosco.

E o instituto Histórico de Oeiras, também por meu intermédio, o recepciona nesta noite memorável nos seus anais.

O Instituto Histórico de Oeiras é de V. Exª.
Sinta-se bem nele. E queira bem a Oeiras!

(Discurso pronunciado pelo Padre David Ângelo Leal, no dia 19.01.1975, em nome do Instituto Histórico de Oeiras, na sede União Artística Operária Oeirense, em homenagem ao Bispo Diocesano Dom Edilberto Dinkelborg)

 

 

 

 

Por Carlos Rubem

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