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Como projeto de linguagem simples virou transfobia (por Chico Alencar)

Quem nunca teve dificuldade de entender um texto oficial do governo e teve que pedir ajuda para “decifrar” a mensagem? Na última terça, dia 5 de dezembro, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou o PL 6256/2019, da deputada Érika Kokay (PT/DF), que obriga os órgãos públicos a adotar regras de simplicidade em sua comunicação, para facilitar o entendimento da população. A iniciativa é inspirada na legislação de outros países, como a “Lei da Linguagem Simples”, aprovada em 2010 nos Estados Unidos.

Por incrível que pareça, houve gente contrária ao projeto. Pior: por 257 a 144 votos, aprovaram uma emenda (sugestão pontual de alteração no texto) do deputado Júnio Amaral (PL-MG) que proíbe “novas formas de flexão de gênero e número das palavras da língua portuguesa”. Simplificando (olha aí a importância da linguagem simples): a emenda que alterou o texto proíbe o uso de pronomes neutros como “todes”, que é uma expressão política importante para que a comunidade LGBTQIA+ se sinta representada. Qual o sentido de incluir esse tipo de regra num projeto que não falava nada sobre o assunto?

Outro “argumento” usado pelos que foram contra o projeto foi que, se aprovado, o poder público teria que usar linguagem “chula” em sua comunicação. Nada mais longe da realidade! O projeto determina a obediência ao vocabulário ortográfico da Língua Portuguesa.

Em uma de minhas defesas do Projeto de Lei, citei “Evocação do Recife”, de Manuel Bandeira: “A vida não me chegava pelos jornais, nem pelos livros / Vinha da boca do povo, na língua errada do povo / língua certa do povo, porque ele é que fala gostoso / o português do Brasil, ao passo que o que nós fazemos é macaquear a sintaxe lusíada”.

Para minha surpresa, o deputado Gilson Marques (Novo/SC) não entendeu o poema: “Maquiar a sintaxe lusíada? O que é isso?”. Já Abílio Brunini (PL/MT) me chamou de “Representante da burguesia intelectual”, no que fui defendido pelo Helder Salomão (PT/ES): “Queria dizer que o deputado Chico Alencar é um proletário intelectual (risos)”.

Apesar de me acusarem de “elitismo”, Gilson votou contra o projeto e ambos apoiaram a emenda que dificulta a comunicação com um segmento importante da população brasileira.

Agora, pressionaremos o Senado e derrubar essa alteração absurda no texto original!

 

*Chico Alencar é escritor, professor de História e deputado federal eleito pelo PSOL-RJ

 

Fonte: Metrópoles

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