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Estudantes pedem nome de Esperança Garcia em auditório da UnB

Esperança Garcia, heroína piauiense que é considerada a primeira advogada negra do Brasil, deve nomear o auditório da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília – UnB. A questão será discutida pelo Conselho da Faculdade, que estará reunido nesta sexta-feira, 1°.

É o que explica Andreia Marreiro, doutoranda em Direitos Humanos e Cidadania na Universidade de Brasília (UnB). “O Conselho da Faculdade de Direito da UnB vai discutir nesta sexta-feira o pedido de renomeação do auditório da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. É para mudar de Joaquim Nabuco para Esperança Garcia. Este pedido parte do Centro Acadêmico do curso, o Cadir, com o apoio do Maré, um grupo de estudo”, conta.

A inspiração para mudar o nome do espaço partiu de uma reivindicação dos próprios alunos. “No ano passado, durante uma semana jurídica que pautou racismo e memória, os estudantes negros fizeram um ato simbólico de renomeação do auditório. Agora a Universidade deve decidir ”, acrescenta Marreiro.

Esperança Garcia será inserida no Livro de Heróis e Heroínas da Pátria

Vale ressaltar que Esperança Garcia será inserida no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, após relatoria da deputada Benedita da Silva (PT-RJ), aprovada na Comissão de Cultura da CD. O projeto é de autoria da deputada Margarete Coelho (PP-PI).

Joaquim Nabuco, que atualmente dá nome ao auditório que deve ser renomeado, foi um dos grandes diplomatas do Império do Brasil, além de orador, poeta e memorialista. Escreveu os ensaios “O Abolicionismo” e “Minha Formação”, figurando como uma importante obra de memórias, onde se percebe o paradoxo de quem foi educado por uma família escravocrata, mas optou pela luta em favor dos escravos.

Por outro lado, Esperança Garcia foi a primeira mulher negra a fazer uma petição. Em carta enviada às autoridades, ela denunciou os maus tratos que aguentava com os filhos em uma fazenda, onde o dono impedia que ela praticasse a religião católica. Após muitas pesquisas, a OAB-PI trouxe à tona a história de Esperança e a reconheceu como a primeira advogada piauiense.

Leia a carta de Esperança Garcia

“Eu sou uma escrava de V.S.a administração de Capitão Antonio Vieira de Couto, casada. Desde que o Capitão lá foi administrar, que me tirou da Fazenda dos Algodões, aonde vivia com meu marido, para ser cozinheira de sua casa, onde nela passo tão mal. A primeira é que há grandes trovoadas de pancadas em um filho nem, sendo uma criança que lhe fez extrair sangue pela boca; em mim não poço explicar que sou um colchão de pancadas, tanto que caí uma vez do sobrado abaixo, peada, por misericórdia de Deus escapei. A segunda estou eu e mais minhas parceiras por confessar a três anos. E uma criança minha e duas mais por batizar. Pelo que peço a V.S. pelo amor de Deus e do seu valimento, ponha aos olhos em mim, ordenando ao Procurador que mande para a fazenda aonde ele me tirou para eu viver com meu marido e batizar minha filha.

De V.Sa. sua escrava, Esperança Garcia”

Leia a carta ao Conselho da UnB

CARTA AO CONSELHO DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA SOBRE A RENOMEAÇÃO DO AUDITÓRIO

O ato de renomeação do Auditório da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília com o nome de Esperança Garcia faz parte de um processo de reparação histórica e de luta pelo direito à verdade e à memória do povo brasileiro sobre a escravidão negra no Brasil. Soma-se a uma rede de discursos e práticas que objetivam romper com o silenciamento do protagonismo do povo negro nas lutas por sua libertação e na construção de nossa identidade nacional.

A proposta de renomeação emergiu de estudantes negros e negras da FD durante a organização da XXII Semana Jurídica da UnB, que ocorreu entre os dias 29 de outubro e 01 de novembro de 2018 com o tema “Raça, memória e Historia Atlântica: enegrecendo a gramática do Estado de exceção nos 30 anos da Constituição Federal e 130 anos da abolição”. A atividade científica reivindicou a verdade e a memória da experiência negra no passado e no presente e, rompendo com os limites das escritas de artigos, teses e dissertações, as vozes desses(as) estudantes saltaram dos papéis de seus trabalhos para conjugar fala e ato, ecoando a voz daqueles e daquelas ocultados pela história.

Em ato público, os estudantes e as estudantes defenderam a renomeação do auditório da FD/UnB em homenagem a Esperança Garcia. Mulher negra escravizada, uma das primeiras protagonistas na luta por direitos de que se tem ciência na história, foi reconhecida como primeira advogada pela OAB/PI por, em 1770, escrever uma petição ao governador da capitania, denunciando as violências pelas quais ela, seus filhos e suas companheiras passavam. O reconhecimento se deu com fundamento na pesquisa realizada por historiadores(as) e juristas da Comissão da Verdade da Escravidão Negra da OAB/PI, que identificaram, na atuação de Esperança Garcia, uma luta contra a exploração e a desumanização do regime escravista por meio do direito, ao se reconhecerem os requisitos formais de uma petição e, sobretudo, uma reivindicação de vida digna como partícipe da comunidade política.

Resgatar a memória de Esperança Garcia é potência para compreendermos o nosso passado, fortalecermos as estratégias presentes de enfrentamento das estruturas colonialistas, racistas e sexistas e concretizarmos o projeto constitucional brasileiro. O presente pede que permitamos que novas histórias e novos símbolos permeiem nosso imaginário. Esperança Garcia é sujeita construtora de sua própria história e da história brasileira. Sua história é uma narrativa de luta por direitos, por dignidade, por pertencimento. Sua imagem é símbolo de coragem, resistência, direitos humanos e cidadania.

A Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, ao dar o nome de Esperança Garcia ao auditório, tem a oportunidade de assumir uma narrativa sobre nossa história nacional que reconheça o protagonismo da população negra, e de manter o pionerismo que lhe é característico, assim como quando adotou as cotas raciais para o ingresso no programa de pós-graduação. 

Renomear é comprometer-se com o processo de descolonização da universidade e com o  acolhimento e a permanência dos(as) estudantes negros que a constroem. É abdicar de uma história única ancorada na imagem de um pequeno grupo de homens heróicos e de um povo submisso e objeto de sua história. É abraçar uma história plural, construída nas práticas e discursos de resistência cotidianas na luta por direitos e por uma vida digna.

Assim, iniciamos esta campanha de renomeação como processo político e pedagógico no âmbito da FD/UnB para manusearmos os recursos da memória na prática cotidiana, tanto no imaginário social, quanto nos discursos jurídicos.

Aos(Às) estudantes, diante da indicação na pauta do conselho que ocorrerá nesta sexta-feira, 01 de novembro de 2019, reforçamos o convite  postulado pelas estudantes negras na XXII Semana Jurídica da UnB para participarmos do processo.

Aos(Às) professores(as), certos do compromisso do corpo docente da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, com a construção de uma universidade plural, aberta e emancipatória, requeremos a renomeação do Auditório da FD/UnB de Joaquim Nabuco para Esperança Garcia.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Meio Norte

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