O auxílio emergencial estabelecido pelo governo federal para ajudar pessoas de baixa renda durante a pandemia de coronavírus tem sido alvo de diversas denúncias de fraudes. O benefício – com valores de R$ 600 e R$ 1,2 mil –, pago durante três meses a brasileiros que recebem até R$ 522 mensalmente, está sendo autorizado para indivíduos com renda superior ao valor estipulado.
O (M)Dados, núcleo de jornalismo de dados do Metrópoles, cruzou a lista de beneficiários de maio do auxílio emergencial com o rol de sócios de empresas brasileiras disponibilizado pelo Brasil.Io, projeto que facilita o acesso a banco de informações públicas. Foram encontradas 23,9 mil pessoas com três CNPJs ou mais em seu nome. Se considerados os donos de duas empresas, o número chega a 82,6 mil.
O benefício é reservado para quem:
- Não tem emprego formal ativo e não recebe benefícios do governo, incluindo o seguro desemprego — a única exceção é o Bolsa Família;
- Faz parte de família com renda mensal, por pessoa, de até R$ 522,50 ou com renda mensal total de R$ 3.135;
- Não recebeu rendimentos tributáveis acima de R$ 28.559,70 em 2018;
- É microempreendedor individual (MEI); contribuinte individual do Regime Geral de Previdência Social (RGPS); ou trabalhador informal, mesmo que desempregado.
Os brasileiros cadastrados como MEI são público-alvo do programa social, por isso era esperado que parcela dos beneficiários tivesse CNPJ. Mas, de acordo com a lei, microempreendedores individuais não podem ter outras empresas em seu nome, daí a importância de fazer o recorte. A sondagem aponta ainda que há 540 casos de pessoas com 10 empresas em seu nome que estão recebendo o auxílio emergencial.
O nome do empresário Luciano Hang, dono da rede de lojas Havan, por exemplo, aparece entre os que receberam a primeira parcela do auxílio emergencial de R$ 600. Hang é considerado pela revista Forbes como um dos bilionários do país, com fortuna estimada em US$ 2,2 bilhões (cerca de R$ 11,5 bilhões pela cotação atual da moeda norte-americana). Há mais de uma dezena de CNPjs vinculado ao nome do empresário. Não é possível saber se houve fraude, se alguém fez o cadastro em nome dele, mas o pagamento foi efetivado.
O diretor da Fundação Getulio Vargas Social (FGV Social), Marcelo Neri, se surpreendeu quando o governou anunciou o número de 60 milhões de beneficiários, pois, no começo, falava-se em 25 milhões. “O valor alto não indica necessariamente que o programa atingiu todas as pessoas pobres, quem mais precisava”, diz.
Em nota, o Ministério da Cidadania explicou que está trabalhando na evolução do programa para alcançar a população mais vulnerável. “A tarefa está longe de ser fácil, em especial, pela exígua velocidade para construir, implantar e revisar de forma constante cada processo de trabalho. O compromisso desta gestão é com a melhor aplicação dos recursos públicos aos cidadãos que mais precisam”, diz trecho do texto.
A Portaria nº 352/2020, do Ministério da Cidadania, estabelece que os dados fornecidos pelo solicitante do auxílio serão cruzados com o Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), o Sistema Integrado de Administração de Pessoal (Siape) e a base de mandatos eletivos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Assim, não há menção à lista de sócios de empresas brasileiras da Receita Federal. Essa é apenas uma das bases não utilizadas pelo governo. Neri aponta outros sistemas que ajudariam mais ainda no combate a fraudes. “O cadastro eleitoral, por exemplo, tem a biometria, e ela pode ser verificada remotamente: instrumento perfeito para esse tempo de pandemia. Mas o recurso não foi utilizado para validar o registro no programa”, exemplificou.
O Ministério da Cidadania pontuou ainda que “qualquer indício de ilegalidade, em especial na ótica criminal, é imediatamente informado à Polícia Federal. A Controladoria-Geral da União (CGU) e a Advocacia-Geral da União (AGU) também estão atuando na fiscalização e no ajuizamento de ações, respectivamente, em todo o processo de pagamento do auxílio emergencial”. Caso uma fraude seja descoberta, a pessoa deve devolver os recursos “sem prejuízo das sanções civis e penais cabíveis”.
Essa devolução, entretanto, não é tão simples como a pasta faz parecer, aponta o professor da FGV. “Recuperar valor é uma coisa caríssima. É caro ter a recuperação judicial, e mais ainda quando não consegue provar a responsabilidade”, frisou. Como o cadastro é remoto, a pessoa pode alegar que alguém utilizou os seus dados.
Fonte: Metrópoles