Cultuado no Nordeste como um patrimônio culinário, o cuscuz, para as regiões sertanejas do Brasil, representa muito mais que alimento. A história com a massa flocada cozinhada no vapor, seja na cuscuzeira, no pano ou em outro utensílio doméstico, vem de 300 anos antes de Cristo. “O milho é um alimento tradicional das culturas indígenas, que vem desde a cultura Asteca e a cultura Maia, chegando aqui, nas ameríndias, pela Amazônia e indo até o Sul do Brasil”, explica Marcelo Reges, antropólogo e professor de Sociologia da Universidade Estadual do Piauí.
Ele conta que o cuscuz é um alimento importante no processo da colonização e que a relação do país com o cuscuz é anterior ao Brasil ser conhecido como Brasil. Os invasores europeus, assim como os africanos que vieram escravizados, trouxeram o cuscuz. Mas os indígenas já possuíam a cultura de plantar milho, e houve uma troca de experiências sobre o que era comestível e adaptável na alimentação de cada povo.
“O cuscuz se relaciona com a tradição e com técnicas de países da África que tinham muita relação com a Europa através da Península Ibérica, como Marrocos, Argélia, Turquia, Líbano. Então alimentos e tradições de técnicas culinárias entraram nesse circuito”, comenta o pesquisador.
Desde que o cuscuz passou a fazer parte da alimentação dos brasileiros, muitas variações foram criadas e adaptadas à realidade de cada região. No Nordeste, por exemplo, é feito no vapor, na maioria das vezes. Em São Paulo, já é como uma torta. No Norte, se come mais a farinha de milho esfarinhada. “O que caracteriza a história desse prato no Brasil é essa dinâmica. Em São Paulo e na região Sul, foram os bandeirantes que levaram o cuscuz até lá. No Nordeste, foram africanos e indígenas. Essa dinâmica é muito diversa”, explica o docente.
Os dados registrados sobre a história do cuscuz no Nordeste são incipientes. O que se tem conhecimento é que, ao longo dos anos, as técnicas de manipular a massa de milho para o preparo foram ganhando variações. No Piauí, há precariedade de dados históricos e científicos sobre o prato. “Por que essa precariedade? Porque não havia interesse em registrar receitas”, argumenta Marcelo. “Em Minas Gerais, é mais fácil encontrar um caderno de receitas de 1800 ou 1900. No Piauí isso é extremamente fragilizado, e isso está ligado a uma diminuição do processo educativo formal também. A tradição é muito oral. A maneira como eu faço cuscuz, como faço cajuína, é transmitida oralmente, não houve registros”, acrescenta.
Na história do Brasil, registros sobre o alimento cuscuz aparecem em autores como Luiz Câmara Cascudo, em História da Alimentação no Brasil (2011) e Gilberto Freyre, em Casa Grande Senzala (1933), Soldados e Mucambos (1936) e Açúcar (2007). A Revestrés também encontrou na internet livros que falam sobre o cuscuz, como o dos autores Hossin Houari, Paulo Drumond Braga, Isabel Drumond Braga, Ariza Maria Rocha: Cuscuz: Identidades e Recriações (2019), e de Germana Gonçalves de Araújo e Breno Loeser: Cuscuz: um livro de memórias afetivas (2020).
Fonte: Revista Revestrés