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Riacho do Frade: No passado fonte vida e riqueza, hoje só marcas do desprezo

Paisagem onde a revitalização já foi iniciada no curso do riacho do Frade

A falta de consciência e de conhecimentos, aliados com as poucas chuvas que caem na região semiárida tem contribuído muito para o baixo volume de água do Frade.

Paisagem que mostra a falta de consciência e de cuidado com o Meio Ambiente.

Paisagem que mostra a falta de consciência e de cuidado com o Meio Ambiente.

”A degradação que há vinte anos consome o riacho do Frade avançou muito no ano passado, principalmente próximo à ponte, tornando a água imprópria para o uso humano”.

Aquilo que poderia ser motivo de orgulho para a população de São João da Varjota e servir como cartão postal para os visitantes da cidade, não passa de tristes relatos melancólicos narrados principalmente por quem viveu os tempos áureos do riacho.

O riacho do Frade nasce no município de Ipiranga do Piauí, que faz limites com São João da Varjota, do lado norte. Diz a história, que ele nunca secou, mas suas águas estão cada vez menos, principalmente a partir de sua entrada em área que pertence ao município de São João. Até a maioria da vegetação nativa não se encontra mais, devido às queimadas e cortes indiscriminados.

Durante os anos oitenta e meados dos anos noventa, a população da sede do município necessitava cem por cento das suas águas e elas eram volumosas, limpas e adequadas para o consumo humano. Além de servir aos animais e para os momentos de lazer da juventude, uma espécie de balneário.

Tudo ficou na história, são águas passadas. Hoje as pessoas de mais idade, que viveram os tempos em que toda São João da Varjota dependia do riozinho para tudo, contam entristecidas, algumas até com lágrimas nos olhos, sobre as riquezas que foram geradas nos seus vales, como os engenhos de cana-de-açúcar, que empregavam uma grande parte da mão de obra local.

Algumas fazendas se localizavam próximas do riacho, entre elas as fazendas Guaribas, Tapera e Pinhões e todas elas tiveram grandes desenvolvimentos por muitas décadas. As águas do Frade cortam a fazenda Tapera, que ainda hoje pertence à família Barbosa, mesmo estando desativada. Uma cachaça muito famosa e bastante conhecida e consumida pela população da região, a Caboclinha- era produzida nessa fazenda, sem dúvida uma das grandes riquezas que se pode atribuir ao riacho do frade.

Na fazenda Pinhões, também banhada pelo Frade se destacava a produção agrícola como nas demais fazendas, as moagens de cana de açúcar, que duravam meses. Também tinha muita farinhada nos chamados aviamentos. Era uma festa na época das moagens e das farinhadas, onde famílias inteiras passavam dias e mais dias fazendo aquele trabalho, quase não iam a suas casas. Em meio ao trabalho sempre saía uma piada e outra, uma história de pescador aqui, outra de caçador de onça ali. E assim o tempo se passava que nem se percebia e mesmo o serviço sendo braçal e, portanto, pesado parecia que o fardo ficava leve.

O nome riacho do Frade foi dado ainda quando se iniciava o povoado, há muitos tempos atrás, e tem ligação com a igreja Católica, uma vez que foi devido a um Frade, que ao vir para o povoado para rezar missas, em período de festas da comunidade, se hospedava em casas de pessoas conhecidas e essas casas ficavam próximas do riacho. Conta a história que ele era sempre visto tomando banho pela manhã nas águas do riacho. Daí veio o nome riacho do Frade.

Ao longo dos tempos tem se percebido uma mudança drástica no aspecto físico do riacho, onde antes eram águas profundas, hoje se pode passar molhando apenas os pés. O seu vale está desprotegido, a fauna e a flora são apenas lembranças de um passado. Do vale do frade a comunidade local retirava seu sustento.

A falta de consciência e de conhecimentos, aliados com as poucas chuvas que caem na região semiárida tem contribuído muito para o baixo volume de água do Frade, e, no que tange a questão de conscientização, já se nota algumas manifestações favoráveis à problemática que atinge o nosso riacho é bem verdade que são pequenos focos de conversas, muito tímidas para o tamanho do problema que pode acontecer se não forem tomadas as devidas providências, com o máximo de urgência.

Essas manifestações são importantes e devem tomar corpo, ter mais visibilidade através da divulgação nos meios de comunicação, nas escolas, igrejas, em grupos organizados da comunidade, uma vez que em partes o problema foi causado pelo próprio homem, então é justo devolver à natureza o que dela foi retirado, pois ela cobra um preço muito alto quando é agredida reagindo de acordo com as nossas ações.

O Beco do São João da Varjota, tão famoso no passado, era ponto de encontro para o banho coletivo nos finais de tarde, quando aos jovens saiam das peladas dos campos de futebol. Era também nesse lugar onde as senhoras donas de casas se encontravam para lavar roupas, as chamadas “lavadeiras”. Muitas vezes aconteciam brigas entre elas, qualquer problema que havia, devido aos famosos fuxicos, o lugar de desabafo e puxões de cabelos era no Beco do São João.

Ainda menino, nos anos oitenta, eu me lembro bem aos domingos, dia da feira do povoado, o meu pai sempre me levava com ele montado no jegue, e naquele tempo ainda não havia a ponte que tem hoje, por isso, os animais e também os carros passavam por dentro da água, próximo de onde as lavadeiras lavavam roupas. Quantas vezes os animais se recusavam a passar, por causa do volume de água que era grande e as pessoas aproveitavam a profundidade que existia ali e pulavam dos barrancos fazendo pulo mortal dentro do Beco. Nesse lugar hoje, algumas poucas mulheres teimam em continuar lavando roupas, mas já foram advertidas sobre os riscos que correm, devido à contaminação das águas. As pessoas jogam lixo, não respeitam as normas de convivência com o meio ambiente.

Alguns moradores que viveram os tempos de grandes farturas e riquezas produzidas nos vales do riacho do Frade, fizeram questão de explicar como era o povoado São João da Varjota na época, que se formou às margens direitas do riacho. Para Genésio Antônio Pereira de 78 anos a tristeza maior que sente é ver o riacho se esvaziando. “É como se estivesse morrendo um pai de família”, disse seu Genésio. Ele disse também com muita tristeza que não acredita muito em recuperação do riacho, porque de acordo com ele, são poucas as pessoas que estão dispostas a colaborar. “Os grandes latifundiários não estão interessados em recuperar nada”, concluiu seu Genésio.

Quem também deu o seu depoimento sobre o riacho do Frade foi a senhora Ernestina Pereira de Lima que tem 82 anos e trabalhou a vida toda como agricultora nos vales do Frade, ela falou especificamente sobre o Beco que para ela era uma maravilha que se acabou. “aquilo tinha muita água e era limpa que se uma agulha caísse dentro a gente via lá em baixo de tão limpa que era”, disse. Ela se disse indignada com o que está acontecendo com o riacho do Frade, “para mim o que estão fazendo com nosso riacho é uma injustiça”, reclamou ela.

Para o senhor João Cícero Pereira, de 89 anos e dona Expedita Dias da Cruz, de 88, os tempos eram outros e todo mundo dependia da generosidade do riacho para tudo, desde o abastecimento de água para o consumo e para os afazeres domésticos, até a produção de alimentos como batata doce, macaxeira, rapadura de cana-de-açúcar, mandioca, entre outros. “Esse riacho nasce em Ipiranga do Piauí na nascente cova de defunta e na nascente São Tomé”, afirmou dona Expedita. Ela relatou que a sua margem era sempre muito verde, com a mata nativa e as plantações que enchia os olhos. “Fico muito triste quando passo sobre a ponte e vejo tanto descaso, com quem merecia tanto carinho e respeito”, desabafou.

Na foto, o professor Josildo Barbosa, um dos lutadores pela revitalização do riacho do Frade.

Na foto, o professor Josildo Barbosa, um dos lutadores pela revitalização do riacho do Frade.

Mas nem tudo está perdido, há sempre uma luz no fim do túnel alguém disposto a fazer alguma coisa. O professor Josildo Barbosa, filho de um dos grandes proprietários que tem fazenda banhada pelo riacho do Frade é uma dessas pessoas. Ele já vem repondo a vegetação nativa no vale do rio, ou seja, fazendo o reflorestamento na parte que pertence à sua família há algum tempo, no local já tem árvores com mais de cinco metros de altura, entre elas plantas frutíferas, que já estão em fase de reprodução. Os Pinhões, como é chamada a fazenda da família do professor Josildo Barbosa, começa a dar sinais de reabilitação, devido ao seu trabalho em fazer a vegetação crescer novamente, a água cresceu em volume na propriedade e os animais silvestres começam a aparecer novamente. “Quando meu irmão e eu começamos a fazer esse trabalho, os outros proprietários nos criticaram muito, diziam que aquilo era besteira e não ia resolver nada, mas graças a Deus a nossa roça está diferente, tem muita água e eu estou feliz em poder está ajudando o meio ambiente”, afirmou Josildo. Ele disse que está tentando convencer os demais proprietários do vale do Frade a fazer a mesma coisa.

Paisagem onde a revitalização já foi iniciada no curso do riacho do Frade

Paisagem onde a revitalização já foi iniciada no curso do riacho do Frade

Todos devem fazer a sua parte, a comunidade juntamente com o poder público municipal, estadual e até federal. Devemos lutar para revitalizar o nosso riacho, esse é um recurso hídrico muito importante em todos os aspectos para o município de São João da Varjota. Não é justo deixar uma herança de fracasso para as futuras gerações, que conte a história de um riacho do frade que secou, deixando de ser perene, que desapareceu. E que isso só aconteceu devido a nossa insensibilidade, falta de zelo e de consciência.

José Carlos da Silva
Bacharelando em Jornalismo
Faculdade R.Sá Picos – Piauí

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