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SUS deve ser capaz de tratar doenças crônicas, diz diretor da OPAS

Ampliar o acesso à saúde gratuita e de qualidade a todos é o mantra do médico brasileiro Jarbas Barbosa, o novo presidente da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). O órgão é o braço da Organização Mundial de Saúde (OMS) na região das Américas.

Barbosa defende que o serviço público deve melhorar a capacidade de fazer diagnósticos, principalmente de doenças crônicas não transmissíveis, como a hipertensão e o diabetes, e aprimorar o encaminhamento às especialidades que vão tratar essas condições.

Enquanto não houver mais investimento e melhora nessa fase de atendimento, as pessoas vão sempre parar nos prontos-socorros para resolver problemas de forma paliativa, avalia Barbosa.

A retomada da imunização contra a Covid e outras doenças que andam negligenciadas, como o sarampo e a poliomielite, é outro objetivo de toda a região.

“Durante a pandemia, cerca de 25% das crianças deixaram de se vacinar nas Américas, é um número importante”, afirma Barbosa.

Ele conta que uma série de ações estão em andamento para “termos de novo as Américas liderando o mundo em termos de cobertura vacinal”.

Para o médico, tempos difíceis como os trazidos pela pandemia do coronavírus devem servir de oportunidades para avançar em diversos temas da saúde pública.

Também está na pauta da OPAS a evolução da vigilância genômica para monitorar novas variantes e outras doenças, e melhor uso da tecnologia na saúde.

Confira a entrevista:

Veja Saúde – O governo brasileiro deu início a uma campanha de vacinação para melhorar as baixas coberturas, principalmente entre a população infantil. Esse cenário é o mesmo em toda a região das Américas?

Jarbas Barbosa – Observamos uma redução da vacinação das Américas desde 2015, mais ou menos. As razões são semelhantes a que vemos aqui. As famílias entendem que se não convive mais com as doenças, como a pólio, o que passa a impressão de que elas não existem mais, aí deixam de se vacinar. Os próprios pediatras e médicos precisam mudar de postura.

Além disso, as cidades tiveram um crescimento acelerado nos últimos anos, e as áreas pobres das principais cidades das Américas não têm unidades de saúde por perto. Quando tem, o serviço não abre aos finais de semana e quando o responsável se mobiliza, chega lá e não tem vacina ou faltam profissionais.

Na pandemia, houve o medo de transmissão da doença, ninguém saiu de casa e esses números de cobertura caíram ainda mais. Ainda, as notícias falsas sobre as vacinas da Covid impactaram as outras vacinas Cerca de 25% das crianças nas Américas deixaram de se imunizar. Um número importante.

Já aprovamos uma proposta com todos os países membros da OPAS, uma resolução para revigorar os programas de imunização. É uma série de ações, mas a comunicação é um dos pontos mais importantes para que a gente possa ter de novo as Américas liderando o mundo em termos de cobertura vacinal.

Que experiência da pandemia será levada em frente?

A primeira lição de casa é reavaliar nossos planos de preparação para esses eventos, e essa nova maneira de responder à pandemias fará parte do regulamento sanitário internacional, que está em discussão e será aprovado em 2024.

Estamos facilitando e apoiando muito a participação ativa dos países das Américas nesse debate global. O Brasil é representante desse grupo e será um ator importante nesse trabalho.

É durante essas grandes crises que temos a oportunidade de avançar em alguns temas. Temos de falar em equidade de vacinas, de respiradores, de equipamentos de proteção individual, tirar mais proveito da tecnologia.

Como podemos usar melhor a tecnologia na saúde?

Podemos fortalecer alguns aspectos simples, como a telemedicina, que ganhou espaço durante a pandemia, e algo ainda mais simples que é usar mais o telefone celular para se comunicar com a população.

Por que a gente não envia mensagens para os pais avisando quando a vacina chegou em um posto para ele não perder a viagem? Cada vez que um pai ou uma mãe deixam de trabalhar, gastam dinheiro de transporte para chegar lá e não conseguem a injeção, ficam frustrados e não voltam no mês seguinte.

Outro ponto é treinar os profissionais para fazer tudo isso dar certo, e o próprio treinamento pode ser virtual. Antes, precisava fechar posto de saúde, levar todo mundo para a secretaria municipal para fazer um curso. Agora, dá para formar diversos profissionais em todo o Brasil ao mesmo tempo.

O senhor já falou sobre a importância de fortalecer a vigilância genômica. Como a região está nessa área?

Conseguimos unir recursos, levantar doadores e melhoramos muito essa rede. Foram mais de 500 mil amostras do coronavírus submetidas à análise durante a pandemia nas Américas, e é prioridade investir mais e garantir que essa comunicação funcione até nos países com menos recursos.

É fundamental ter essa rede ativa para ficarmos atentos a novas variantes da Covid, monitorar vírus conhecidos e também para detectar cedo o risco de surgirem novas doenças.

O senhor citou Brasil, México e Cuba como países com potencial para pesquisar e produzir novas vacinas. Essa força pode ajudar a suprir países com índices mais baixos de vacinação, como os da América?

Hoje as vacinas estão disponíveis, há fundos destinados a compras vacinas, conseguimos mobilizar doações quando é necessário. O que falta mesmo é divulgação e informação.

Da mesma forma que falamos das outras doenças que foram esquecidas, há menos casos graves de Covid agora, o que também passa a impressão de que não é preciso mais se cuidar.

E há desinformação, no sentido de quem pegou a doença acha que não precisa mais se imunizar, que está protegido para o resto da vida, ou entende que a pandemia já acabou, além das notícias falsas que circulam alertando sobre supostos perigos da vacina.

Os governos precisam ter estratégias de comunicação para diferentes audiências, inclusive os profissionais de saúde, que são as pessoas que têm contato direto com a população.

 Como está a saúde pública nas Américas? O SUS (Sistema Único de Saúde) se mantém como referência?

O SUS segue como bom exemplo e o que ele melhor representa é o princípio do acesso universal e gratuito a todos. A maioria dos países da região já considera esse direito à saúde universal, vários deles têm esse lema na Constituição, mas os arranjos são feitos de formas diferentes.

Todas as nações precisam rever algumas questões, e a primeira delas é o financiamento público. A grande maioria dos países não aplicam a recomendação de direcionar 6% do PIB à saúde, nem mesmo o Brasil.

Nada disso será resolvido em um ano, ainda mais após uma pandemia, mas deve ser um compromisso político.

Outro ponto é fortalecer a atenção primária. Um primeiro atendimento renovado, com profissionais treinados, resolve os principais problemas de saúde da população. É preciso ter equipamentos para medir pressão e a glicemia, diagnosticar mais doenças crônicas, como o diabetes e a hipertensão, e tratá-las.

Enquanto a atenção primária não atender a essas necessidades, as pessoas vão preferir as salas de emergência para resolver seus problemas mais rapidamente por ali e voltar logo para casa.

Quais são os objetivos da OPAS hoje?

Promover o desenvolvimento sustentável da saúde é o grande papel da OPAS. Temos excelentes projetos bem-sucedidos na região, mas a maioria deles só atende a atenção primária do público materno-infantil.

Temos de melhorar a saúde materna e a imunização, mas expandir essa lógica, porque cerca de 30% das mortes relacionadas a doenças não transmissíveis nas Américas são preveníveis. Por que no Brasil, a cada 100 pessoas com hipertensão, só 50 sabem que tem a doença?

Para podemos discutir isso, contudo, primeiro a região precisa se recuperar da pandemia, porque os programas de saúde pública sofreram muitos impactos negativos.

Queremos apoiar os países a construir novas estratégias, adotar tecnologias e ferramentas para quebrar as barreiras que impedem o acesso às pessoas do sistema de saúde.

 

Fonte: Veja

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