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Portador de Hanseníase vive há 38 anos isolado no Piauí

Esquecidos pelo tempo e até mesmo pela própria família. Esta é a realidade dos 22 internos que tiveram membros amputados ou outras sequelas provocadas pela hanseníase e vivem no Hospital Colônia do Carpina em Parnaíba, Litoral do Piauí. Criado em julho de 1931 para isolar os “leprosos” da sociedade, no local vivem pessoas como o ex-jogador do Comercial e Flamengo do Piauí, Manoel Macedo, que mora no abrigo há 38 anos.

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“Quando o médico descobriu a lepra (hanseníase), se recusou a falar o nome da doença, porque era algo que todos temiam. Bastante debilitado, voltei para casa em Teresina, mas meus familiares tinham ido embora com medo de mim. Com ajuda de uma vizinha, consegui encaminhamento para a Colônia. Aqui amputaram minha perna e cheguei a ir para outro hospital em Belém atrás de uma prótese. Ao retornar, soube da morte da minha mãe e como não tinha mais o contato dos meus irmãos, resolvi ficar de vez no hospital. O preconceito está dentro de casa e eu sei o que é isso”, contou o ex-jogador que descobriu a doença com apenas 23 anos.

A Colônia do Carpina chegou a abrigar cerca de 400 pessoas de vários estados até a década de 1950. Da antiga estrutura do prédio, restaram apenas cinco pavilhões – local dos dormitórios dos internos – e as duas casas que servem de posto médico e administração do hospital. Os últimos moradores do local chegaram como prisioneiros para se curar de uma doença sem tratamento na época.

Daquilo que hoje são ruínas, Manoel Macedo, de 61 anos, volta no tempo e lembra bem que quando chegou, existia um cassino onde se apresentaram Ângela Maria, Luiz Gonzaga e Nelson Gonçalves.

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“Todo mundo tinha medo de vir aqui porque só tinha leproso, desde o prefeito até o delegado, mas o cassino acabava atraindo várias pessoas. No início da festa, os hansenianos ficavam na parte térrea, enquanto a festa com os ‘sadios’ e a banda era no primeiro andar, mas depois de bêbados, não existia mais divisão”, recordou.

Dentro da comunidade, além de trabalharem, os pacientes frequentavam a escola, divertiam-se, casavam-se e tinham filhos. Também acabavam em uma cela, cumprindo pena quando surpreendidos em tentativa de fuga.

Muitos pacientes morreram até a descoberta da cura contra o Mal de Hansen, em 1940. Quando caíram as concepções equivocadas sobre o contágio e as portas do hospital foram abertas, a maioria dos pacientes foi embora, mas parte se deparou com o preconceito e logo retornou.

Maria Antônia de Jesus, 63 anos, foi uma das pacientes que tentou se inserir novamente na sociedade e acabou desistindo. A interna conta ter ido atrás das duas filhas retiradas pelo ex-marido quando ela descobriu a doença, com 24 anos, mas conseguiu encontrar apenas uma delas, em Floriano, Sul do Piauí. A outra foi levada pelo pai para outro estado.

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“Através da medida provisória, do ex-presidente Lula, recebi uma pensão vitalícia pelos anos de confinamento. Comprei uma casa para morar com minha filha e meu novo companheiro, também paciente da colônia. Só que ao contrário de mim, ele não aceitava bem as sequelas da doença, virou alcoólatra e queria me bater, então o deixei”, revelou.

Há dois anos, Maria Antônia foi diagnosticada com um câncer na perna e por conta do estágio avançado da doença ela teve o membro amputado. Para ela, esse fato foi mais um motivo para ser discriminada.

“O preconceito lá fora era demais. Eu tenho minha família lá fora, mas prefiro ficar na colônia porque tenho o meu médico, enfermeira, meus amigos e a diretoria olhando por mim. Eu sou feliz assim, minha história está nestes muros”, declarou emocionada.

O diretor administrativo da Colônia do Carpina, Marcelo Sousa, explica que por ter confinado os pacientes, o poder público se comprometeu a manter os hospitais-colônia enquanto houvesse moradores. “Creio que daqui a 20 anos este formato de colônia não existirá mais, apenas o hospital por ser referência no combate à hanseníase no Piauí. Os moradores estão idosos e a nossa preocupação agora é em dar toda a assistência médica necessária, o acolhimento e alimentação a eles até o fim de suas vidas”, falou.

Combate
No Brasil, a doença ainda é um problema de saúde pública, com registro de cerca de 30 mil novos casos por ano. De acordo com a coordenadora do Movimeno de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), Lucimar Batista, o Piauí é um estado endêmico da hanseníase com o registro de 16.597 casos da doença entre pacientes curados e ainda em tratamento.

“São mil casos por ano, mas muitos deixam de ser registrados por falta de orientação das pessoas. Falta trabalho preventivo, pois muitos pacientes descobrem que têm a doença quando ela está no estado avançado. O Brasil é o segundo no ranking mundial de casos novos, destes, 3,2% estão no Piauí. O estado ocupa o oitavo lugar em coeficiente de detecção e 11º em número de casos, em relação as 27 unidades federativas”, disse.

O infectologista Kelson Veras conta que a hanseníase é uma doença infectocontagiosa crônica e as formas de contágio ainda não são plenamente conhecidas. “A principal transmissão da doença acontece no contato direto com as lesões de pessoas infectadas. Outra forma de contágio é através da eliminação do bacilo pelas gotas de saliva do paciente”, explicou.

Segundo o médico, o tratamento precoce é o ideal para evitar sequelas da doença. Os sintomas mais comuns da hanseníase são as manchas de diferentes tonalidades em qualquer parte do corpo e a perda da sensibilidade.

“A pessoa que perceber manchas pelo corpo deve procurar imediatamente um dermatologista. Já a perda ou alteração da sensibilidade dos dedos da mão, por exemplo, consideramos um estágio avançado da doença. É importante alertar que os pacientes em tratamento não transmitem mais a doença, que hoje tem cura e o tratamento é gratuito nas unidades de saúde”, destacou.

 

Fonte: G1 Piauí

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