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Transporte intermunicipal: PMs recebem propina para fazer “vista grossa”

Não importa o horário ou a data. A paisagem é a mesma. Paradas de ônibus que servem de ponto para o transporte intermunicipal da capital do Piauí aos municípios da Grande Teresina estão superlotadas. São homens e mulheres de todas as idades, profissões e inúmeras histórias. A espera da chegada do transporte exige paciência, ou melhor, muita paciência. A espera chega a durar horas. E quando o veículo finalmente passa pelo ponto, os olhares são de decepção.

transporte

São ônibus em precárias condições, que não deveriam mais circular pelas estradas do Estado. Contudo, a fiscalização do setor é falha. Se ele existe, como entender que ônibus com janelas quebradas, pneus com visível desgaste, veículos com a vida útil defasada possam estar transportando vidas? Para agravar a situação, uma regra é seguida: quanto mais passageiros, melhor. E, dentro desta lógica, não vale o conforto do passageiro e muito menos as normas de segurança previstas em lei.

Este é um retrato do abandono e omissão do poder público responsável pela fiscalização do setor. Para verificar a situação, a reportagem de O DIA investigou o problema. Sem se identificar como repórteres, a equipe conversou com usuários do sistema e fez o percurso Teresina/União. Por isso, muitos dos entrevistados aparecem apenas com o primeiro nome.

A viagem 

Uma vez por semana, Maria, uma senhora de 47 anos, é personagem deste retrato. Ela saiu da cidade de União – localizada a 56 km de Teresina – para fazer um simples exame de rotina na capital do Piauí. Após concluir a consulta médica, Maria caminha para um dos pontos à espera do transporte que faz linha Teresina/União. Quarenta minutos depois, o veículo da empresa Translopes – única companhia responsável por este itinerário – chega à parada. A correria para pegar uma das cadeiras vagas é instintiva.

Junto com Maria, outras oito pessoas também embarcam para a viagem. Cansada, Maria resmunga à amiga: “É o jeito, temos que voltar”. No interior do veículo, de número 122, placa KSL-8433, o que chama mais a atenção é a saída de emergência, localizada no teto do ônibus, bloqueada com pedaços de papelão.

Com as poltronas sem cinto de segurança, o retorno à cidade de União se inicia às 15h42. A cada ponto – nas Avenidas Miguel Rosa e João XIII – uma nova parada. Mais passageiros pedem entrada e, antes de completar 15 minutos de viagem, as 56 poltronas do ônibus estão ocupadas. Na entrada da Avenida Presidente Kennedy, na zona Leste de Teresina, um descanso de dez minutos. O calor é forte. É hora de uma pausa para a água.

“Os horários não são regulares, isso incomoda bastante. Além disso, as condições não são as melhores. O último ônibus da empresa foi comprado há seis anos. Muitos deles, no meio do caminho, acabam sofrendo uma pane e dão prego. Temos que esperar mais de 50 minutos por outro no meio de uma rodovia. Esse está até melhor, quando comparamos com os outros ônibus. Tem um que anda inclinado”, relata a passageira Maria.

Ao lado dela, outros usuários do transporte reforçam as reclamações. “Só nesta semana, dois ônibus quebraram. É um absurdo!”, completa Raimundo Alves, morador de União, que trabalha em uma funerária em Teresina. Apesar das reivindicações, a viagem prossegue e o ônibus ultrapassa os limites da capital, entrando na rodovia estadual PI 112 – que dá acesso a União.

Sem mais vagas, o motorista ainda continua parando nos pontos. Às 16h28, a lotação chega ao ápice: 14 pessoas seguem em pé, numa viagem em que o estreito corredor do veículo é disputado por aqueles que não encontraram mais assentos.

Se equilibrando em um corrimão adaptado, uma idosa passa 10 minutos esperando por uma poltrona. Perto dela ela, jovens alunos retornam da escola se apoiando nos braços das poltronas. É neste momento que o cobrador começa a recolher o dinheiro da passagem.

Sem catraca, ou bilhetagem eletrônica, o profissional passa em cada cadeira recolhendoo dinheiro. O valor? R$ 5,00 (cinco reais). “Se o serviço fosse de qualidade, não teria nenhum problema pagar este preço. Mas, a situação é diferente. Bem pior”, reclama o professor de nome Rafael. Para a passageira Maria, os R$ 10 gastos, com a ida e volta, farão falta. “Para quem tem o dinheiro curto como eu…”, fala a senhora.
 

Policiais recebem propina para fazer “vista grossa”

Durante as duas viagens feitas pela reportagem de O DIA, em nenhum momento, o ônibus da empresa Translopes ou a van de transporte alternativo,passaram por uma fiscalização na rodovia. No trecho da PI-112, próximo a União, há um posto do Batalhão de Polícia Rodoviária Estadual (Bpre) com dois policiais militares.

Em tese, a função seria fiscalizar o trecho. Porém, na prática, a sensação é de insegurança e omissão. Enquanto o ônibus passa pelo trecho fiscalizado, os policiais militares assistem televisão do lado de fora do posto. Dentro do transporte, superlotação e ameaça à segurança. “É sempre assim”, ressalta uma das passageiras ouvidas pela reportagem.

Com a van, o cenário aponta indícios de suborno. Durante passagem pelo posto da Bpre, o motorista e o cobrador do transportealternativo conversam sobre a necessidade ou não de parar na fiscalização estadual. “Seguimos ou paramos?”, questiona o cobrador. “É melhor conversar com eles [policiais]. Quem está no plantão? Sabe?”, responde o motorista. Após o diálogo, a van estaciona no acostamento da rodovia. O cobrador desce, sem nenhum documento do veículo, e vai falar com os policiais.

Dentro do veículo, os passageiros falam sobre a situação. “Paga R$ 10 que eles liberaram. É só liberar o dinheiro que eles [policiais] deixam passar”, conta um dos usuários. Outros depoimentos colhidos pela reportagem de O DIA também denunciam a situação. “É umapropina que os motoristas pagam aos policiais para fazerem ‘vista grossa’. Mesmo se houver superlotação ou algum problema no veículo, eles deixam passar. Acontece todos os dias, infelizmente. Assim, a fiscalizaçãoé feita sem rigor, ou melhor, não é feita”,denuncia outro passageiro, que prefere não se identificar.

Em menos de cinco minutos, o cobrador retorna ao ônibus. Nenhum dos policiais de plantão no posto visualiza asituação do transporte. “Deu certo? Tranquilo?”, pergunta o motorista. O cobrador apenas sinaliza positivamente com a cabeça. Na irregularidade, a van segue viagem.

Portal O DIA

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